blog do camilo

alt="Imagem: Dive Bomber and tank, Jose Clemente Orozco, 1940." width="750" height="375"

O medo e o delírio dos dividendos na bolsa de valores

Uma armadilha de dividendo é uma empresa que atrai o investidor com dividendos tão elevados quanto insustentáveis. A empresa paga dividendos excepcionais em um ano, o preço de suas ações sobe porque muita gente quer ter acesso a esses dividendos no ano seguinte, mas, quando chega o ano seguinte, pelas mais inescrutáveis razões, a empresa corta os dividendos e o preço das ações despenca.

O investidor desse tipo de ação acaba preso em uma armadilha: pagou, por exemplo, 10 reais na ação com a esperança de receber 1 real de dividendo (um retorno de 10%), e termina com a ação valendo 2 reais e pagando zero dividendos. Como, via de regra, o investidor adquire um grande número de ações (10 mil ações, por exemplo), porque espera receber um dividendo polpudo (10 mil reais, continuando o exemplo), ele se vê às voltas com uma dinheirama presa na armadilha (100 mil reais, no caso).(

A MMX3M, popularmente conhecida como "OGX do Eike Batista", foi uma armadilha de dividendos que operou a pleno vapor em 2006, quando registrou um dividend yield (DY) de 159%, mas perdeu pujança em 2007, quando registrou um DY de 4,8%; mostrou as garras nos anos seguintes, quando seu DY zerou e seu preço despencou.

Na época, a Caderneta de Poupança rendia 6% ao ano, por isso a expectativa daquele dividendo tão elevado atraiu muitos investidores, e estou falando de investidores profissionais, que se atolaram "sim senhor" em MMXM3; também atraiu pequenos investidores, alguns dos quais acompanhavam a recomendação de consultores profissionais que recomendaram "sim senhor" MMXM3

Vamos nos supor entre aqueles investidores que aplicaram em MMXM3; suponhamos que tenhamos comprado 6 mil reais de MMXM3 em 2006 porque a ganância se apossara de nosso ser e estávamos enfeitiçados pela chance de obter 150% de rendimento em 2007.

(Esclareço que eu não comprei MMXM3 em 2006 nem em época nenhuma; não estou recomendando que você compre ou deixe de comprar MMXM3 ou qualquer outro ativo financeiro por qualquer método que seja. Este é apenas um texto educativo.)

Tomamos um baita prejú!

Para começo de conversa, nossas expectativas de dividendos polpudos escorreram pelo ralo. Após R$ 27 de dividendos por ação em 2005 (daí aquele DY estratosférico em 2006), a MMXM3 distribuiu 2,15 reais por ação em 2006 e 3,60 reais em 2007; depois disso, parou não distribuiu mais nada. Os parcos dividendos de 2010, 2012 e 2013 somaram cerca de um centavo por ação!

Para continuidade de conversa, o fundo do poço chegou de vez em 2021. Com a decretação da falência da empresa em 2021, o valor de suas ações caiu para virtualmente zero, uma perda de 100% do capital investido.

Apesar de tudo, essa nossa fictícia jornada do zênite da ganância ao nadir da desvalorização não teria sido destituída de curiosidade; aliás, poderia até ter sido instrutiva.

Nossas reações ao prejuízo

Com nossos R$ 6 mil, teríamos adquirido 353 ações de MMXM3 por R$ 17 a unidade em 2006.

O total de dividendos recebidos ao final de 2007, R$ 1.270, poderíamos ter aplicado na Caderneta de Poupança em janeiro do ano seguinte.

De 2008 em diante, não teríamos recebido dividendos relevantes, pois podemos desconsiderar os dividendos irrisórios de 2010, 2012 e 2013.

Podemos supor que, mesmo gananciosos e assolados por teorias delirantes como aquela do preço médio (a sugestão de comprar mais de uma ação ruim em queda para baixar o preço médio de compra e reduzir o prejuízo), não teríamos voltado a aplicar nem um centavo em MMX3M.

Desgostosos da bolsa de valores ("Esse cassino disfarçado", poderíamos ter dito a nós mesmos na época), teríamos deixado aqueles 1.270 reais na Caderneta de Poupança, afinal, todo gato escaldado da bolsa de valores costuma se vingar assim.

Já aqueles 6 mil reais que havíamos aplicado em MMXM3, nós os teríamos deixado a subir e descer na bolsa de valores. Apelidaremos esses 6 mil reais de principal.

O que teria acontecido com nosso dinheiro

Nosso principal teria oscilado como mostrado a seguir:

AnosR$
20066.000,00
200715.857,00
200829.133,00
200913.026,00
20104.208,00
20112.895,00
20122.122,00
20133.452,00
201412.443,00
20153.530,00
20161.987,00
20171.236,00
2018837,00
2019734,00
2020653,00
20214.942,00
20220,00

Desconsideradas as chances de termos vendido MMXM3 com lucro entre 2007 e 2009, ou em 2014, teríamos tido a chance de diminuir a perda com a venda das ações principalmente em 2010 e, pasmem, em 2021. Mas suponha que tivéssemos persistido comprados até o preço cair a zero em 2022.

Nesse ano, aqueles R$ 1.270 de dividendos que colocamos na Caderneta de Poupança em 2006 estariam valendo R$ 3.278.

Portanto, em 2022, mesmo com o preço da ação em zero, não teríamos perdido tudo: teríamos perdido a metade do principal investido em 2006. Isso, claro, em valores nominais; se considerarmos a inflação, teríamos perdido bem mais, pois R$ 3.278 valem menos em 2022 do que valiam em 2006.

O que poderíamos ter aprendido com isso tudo?

Acredito que poderíamos ter aprendido o seguinte:

  1. A falência de uma empresa não zera obrigatoriamente um investimento se tivermos tido a prudência de usar quaisquer eventuais retornos para diversificar minimamente nosso investimento (aqueles 1.270 reais aplicados em Caderneta de Poupança diversificaram nosso investimento).
  2. Mesmo em uma caminhada inexorável à falência, às vezes surgem oportunidades de recuperação ao menos parcial do principal, mas essas oportunidades não são garantidas e demandam, para ser aproveitadas, paciência para esperá-las e prontidão para agir quando aparecem.

Além disso, devemos considerar que a flutuação dos preços não conta toda a história; pode haver outros despojos além daquele dinheirinho guardado na Caderneta de Poupança.

Como acionistas de uma empresa, ocupamos o final da fila de sua falência. Apinham-se à nossa frente os débitos trabalhistas (salários e encargos sociais atrasados) e os credores dos mais variados tipos e tamanhos.

A MMXM3 era uma mineradora, ela tinha ativos de valores elevados (maquinários, prédios, terrenos, jazidas de minérios). Todos esses ativos deverão ser vendidos para pagar as dívidas; se sobrar algo, virá para nossos bolsos e dos demais acionistas, na proporção daquelas 373 ações que fatidicamente compramos em 2006.

A esperança pode até ser que morra, mas, se ainda não tiver morrido em 2022, pode ser que morra por último, depois de leiloados os bens e satisfeitos os credores preferenciais.

Haveria como ter evitado o investimento em MMXM3 em 2006?

Não, não haveria como ter evitado investir em MMXM3 em 2006.

Naquela época, a MMXM3 se mostrava tão promissora que suas ações custavam 80 reais a unidade. O investimento em MMXM3 não foi exclusividade de incautos e desinformados. Financistas profissionais, analistas experientes, gestores de fundos de investimentos, compraram ou recomendaram a compra de MMXM3; outros tantos venderam ou recomendaram a venda; houve quem não comprou nem vendeu nem ficou sabendo de MMXM3.

O investimento seu, meu, de qualquer pessoa, em MMXM3 em 2006, poderia ter acontecido ou poderia não ter acontecido, assim como o investimento atual em uma empresa semelhante à "OGX do Eike Batista" pode acontecer ou pode não acontecer pelo simples fato de que erros e acertos fazem parte da dinâmica dos investimentos.

A única certeza

Podemos ter certeza de que não teríamos investido apenas em MMXM3 em 2006, assim como podemos ter certeza de que não investiremos amanhã apenas em uma porcaria pior.

Para transformarmos essa certeza em realidade, basta seguirmos o conselho de nossos avós e não colocarmos os ovos em uma mesma cesta.

Nossos antepassados diziam para não colocarmos os ovos numa mesma cesta porque sabiam que não temos como evitar um tropeço. Eles sabiam que, diante das vicissitudes da vida, podemos apenas diminuir a chance de quebrar todos os ovos de uma vez.

No mundo dos investimentos, isso se chama diversificação. A história da "OGX do Eike Batista", como tantas outras, demonstra que costuma ser importante diversificar nossos investimentos.